Projetos no mundo real
Ouço muita gente falando do “mundo real” como algo terrivelmente desorganizado, onde tudo dá errado e especialmente, onde o PMBOK não é aplicado. Ora, o PMBOK nasceu a partir das boas práticas coletadas de organizações pelo mundo, como pode divergir do “mundo real”?
É brutal o número de empresas que se valem desse clichê para não entregar projetos conforme o planejado, geralmente são empresas autocráticas, onde o mérito não é reconhecido e o erro, punido. Isso faz com que as pessoas se acomodem dentro da estrutura de poder, evitando a mudança.
De forma simplificada, pode-se dizer que entregar projetos conforme o planejado é cumprir a restrição tríplice: Escopo, Tempo e Custo. Mas o Gerente de Projetos, sozinho, não consegue garantir a entrega, ele precisa do apoio organizacional, tanto político quanto processual.
Neste post vou apresentar 10 erros organizacionais que dificultam a entrega de projetos, são erros que considero clássicos e que vejo com muita frequência no mercado de GP.
1. Não ter controle de capacidade – Controlar a capacidade é gerenciar o tempo dos recursos humanos da equipe. Deste modo, sabe-se “quem está fazendo o que” e controlar quantas atividades uma pessoa consegue executar por vez. Isto afunila o pipeline de projetos, mas possibilita maior atenção do técnico ao projeto e com isso, espera-se, maior qualidade e produtividade.
Sem esse controle, tende-se a passar atividades em excesso a cada técnico e com isso, ele logo terá a “desculpa” de que tinha coisas demais para fazer, e usará isso sempre que lhe for conveniente.
2. Não priorizar os projetos – Priorizar é definir critérios para ordenar coisas pela sua importância. Pode ser em termos de faturamento, lucratividade, projeção de marca, retorno de investimento etc.Sem isso, quando os técnicos tiverem que escolher como distribuir seu tempo, escolherão por critérios próprios como: Projeto “do chefe”, “quem grita mais alto”, “quem senta do meu lado para me olhar fazer” ou ainda, projeto de “quem eu gosto mais”. O resultado pode se tornar bem prejudicial para a organização.
3. Competir projetos e operação – Projetos são esforços temporários, planejados, cadenciados e que possuem uma data de fim. Operações são serviços contínuos que mantém o negócio em funcionamento. Entre um e outro, a operação sempre vence. Ninguém vai parar os “serviços contínuos” para atender a um “esforço temporário”.
Com esta configuração, os técnicos correm da “sala para cozinha” para atender a ambos e os projetos sempre saem prejudicados. Tende-se a transformar a empresa num corpo de bombeiros. Logo, a não ser que sua empresa faça projetos muito raramente, é recomendável que se tenha recursos segmentados para operação e projetos. E se isso for impossível, deve-se controlar a “margem de erro” entre estimativa e execução, para projetar buffers nos próximos projetos.
4. Não ter um líder técnico – Por mais especializado que o GP seja (ou pense ser), ele jamais se comparará com um técnico capacitado. Como o GP irá medir a qualidade do concreto, a velocidade da vlan, a capacidade elétrica de um estádio?Sem isso, o GP fica completamente dependente dos técnicos, que nem sempre são capacitados no que fazem, nem sempre tem senioridade e nem sempre tem compromisso com o projeto. Por isso, é recomendável que toda equipe técnica tenha um team leader, que faça a ponte entre o GP e os técnicos.
5. Áreas de apoio sem responsabilidade (accountability) – O conceito de accountability significa “responsabilização”. Em outras palavras, quem faz o trabalho é responsável por ele até o fim.Sem accountability, seria como se um médico esquecesse um bisturi dentro do paciente e não fosse responsabilizado por isso. Ao contrário, o médico é responsável por acompanhar o paciente até que fique estável. Você entregaria sua saúde na mão de um médico que fizesse o contrário?
Da mesma forma devem ser as empresas, os recursos técnicos devem ser responsabilizados pelas atividades que executam, como psicólogos, engenheiros e PMPs, cujo registro pode ser caçado. Pode-se implementar isto com uma Matriz Organizacional de Responsabilidades e, preferencialmente, com um Sistema de Gestão da Qualidade.
6. Não ter processos de trabalho mapeados – Processos de trabalho determinam a trilha a ser seguida para executar uma tarefa. Isso traz previsibilidade e consequentemente a possibilidade de planejar a demanda de negócio.Uma empresa sem processos trabalha sempre “descobrindo” como fazer. É como ler o manual do motor de um carro e tentar consertá-lo. Qual a probabilidade de sucesso?
7. Não haver um processo efetivo de escalada – Um processo de escalada inclui a autorização para o GP escalar os problemas de projeto, sem que haja pressão social para que ele não o faça. Também inclui a deliberação, por um comitê de nível hierárquico superior, sobre a situação, definindo ações, datas e responsáveis.Tenho visto muitas empresas que montam comitês de crises quando “a coisa fica feia” e poucas que montam comitês de escalada para avaliar os problemas enquanto ainda são pequenos. Quanto mais tempo se leva para resolver um problema, maior ele tende a ficar.
8. Falta de disciplina na equipe – Existem muitas definições para a palavra disciplina, mas a que mais retrata o que quero dizer é: “Sujeitar-se a um conjunto de regras e manter-se focado em seu objetivo, sem perder a motivação”.
Chegar atrasado às reuniões, não comparecer, não ler e-mails, não atender ao telefone, não retornar ligações, não cumprir prazos de entregas. Pode parecer uma loucura total, mas há empresas que trabalham assim. Como entregar projetos dessa forma?
O trabalho de liderança em projetos não depende somente do GP, é preciso que toda a organização tenha claramente definidas suas “Metas e Regras”. Caso contrário, se as ordens forem divergentes ou até contraditórias, não será possível cobrar disciplina das equipes. É como uma sala de aula em que o professor perde o controle dos alunos, porque não definiu e cobrou as regras básicas de convivência. Se a sua empresa estiver assim, está na hora de começar a ouvir seus funcionários, porque estão seriamente desmotivados.
9. Não fazer reuniões efetivas – Reuniões efetivas tem objetivo, pauta prévia, periodicidade definida (evita que as pessoas se esqueçam dela), obedecem rigidamente o horário de inicio e término e saem com ações, responsáveis e datas (plano de ação). Sem essas práticas, seus recursos humanos farão qualquer coisa para fugir das reuniões, mesmo que eles próprios causem seu prolongamento.
10. Não ter uma sistemática de acompanhamento – O ser humano tem tendência à protelação, é muito conivente consigo mesmo e muito crítico com os outros. É preciso uma sistemática para guiar a equipe através do acompanhamento periódico, orientação e definição clara de objetivos e regras. Isto pode ser feito com um kanban, um cronograma, através de reuniões de status etc. Lembrando sempre que quanto mais complexos forem os controles, maior será a dificuldade das pessoas em entender o que se espera delas. “Diz-me como me medes e te direi como me comporto”.
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Meu maior esforço como consultor de GP tem sido “convencer” empresas menos maduras de que elas precisam de boas práticas, que lhes será útil e trará resultados concretos, o trabalho é mais psicológico que racional. Muitas empresas seguem por anos ridicularizando as boas práticas como forma de autoproteção, pois alguém já tentou implantar algo no passado, mas não teve êxito.
Acredito que as pessoas se defendam por se sentirem impotentes. “Em roma com os romanos” ou “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. São instrumentos de autoproteção que evitam a perda de emprego, de prestígio ou simplesmente do status quo. Mas enquanto os times se reprimem mutuamente, o mercado é um oceano límpido e cheio de peixes para as empresas que sabem trabalhar. Mais cedo ou mais tarde, as empresas mais resistentes à mudanças acabam entrando em dificuldades financeiras.
O “mundo real” pode ser cor-de-rosa, basta organizar-se. Mas é claro, isso não depende e nunca dependerá apenas do Gerente de Projetos.
Eli Rodrigues